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A engrenagem desalinhada: o mercado americano ignora a realidade enquanto sinais de fragilidade se acumulam

A engrenagem desalinhada: o mercado americano ignora a realidade enquanto sinais de fragilidade se acumulam

Valuations inflados, fé inabalável em cortes de juros e um crescimento econômico cada vez mais modesto revelam um descompasso estrutural entre a narrativa dominante nos mercados financeiros e os fundamentos que sustentam a economia real dos Estados Unidos. É essa fricção, crescente e silenciosa, que expõe o mercado ao risco de uma correção abrupta nos próximos trimestres.

O relatório de abril produzido pela equipe internacional do BTG Pactual evidencia esse desalinhamento. A análise mostra um cenário em que as expectativas dos investidores permanecem elevadas, enquanto indicadores macroeconômicos sinalizam enfraquecimento progressivo, especialmente no mercado de trabalho, no consumo das famílias e na trajetória da inflação.

A criação de empregos desacelerou de forma relevante no primeiro trimestre de 2025. A média mensal caiu para 152 mil vagas, abaixo dos 209 mil do trimestre anterior. Embora o desemprego continue controlado, a redução no número de pessoas deixando voluntariamente seus empregos (quits rate) revela uma diminuição na confiança da força de trabalho — um movimento tipicamente associado a ciclos de desaceleração. O consumo, que até aqui sustentava o crescimento norte-americano, começa a mostrar sinais de fadiga diante da elevação do endividamento familiar e da queda na taxa de poupança.

A inflação permanece um desafio. Mesmo após cortes acumulados de 100 pontos-base na taxa básica por parte do Federal Reserve, as pressões inflacionárias persistem, amplificadas pelas recentes políticas tarifárias da nova administração. O núcleo do índice de preços PCE, métrica mais acompanhada pelo Fed, está projetado para encerrar o ano em 3,8%, significativamente acima da meta de 2%. Ainda assim, os mercados mantêm apostas em novos cortes de juros até o final de 2025, confiando em uma trajetória de desinflação que pode não se concretizar no ritmo desejado.

No mercado financeiro, o descompasso é ainda mais evidente. O S&P 500 negocia atualmente a 19,6 vezes os lucros projetados para os próximos 12 meses, bem acima de sua média histórica de 16,2 vezes. Mesmo excluindo as chamadas Magnificent 7 — o grupo de gigantes de tecnologia que sustenta boa parte do índice — o múltiplo continua elevado, em 19,1 vezes. Isso significa que os investidores estão dispostos a pagar caro por crescimento futuro em um momento em que o crescimento efetivo começa a falhar.

Mais preocupante é o colapso do prêmio de risco. Hoje, o equity risk premium das ações americanas está em apenas 3%, contra uma média histórica superior a 5%. A leitura é clara: o mercado está aceitando menos retorno em troca de mais risco. Esse comportamento, historicamente, antecede momentos de correção e aumento de volatilidade.

A análise setorial reforça o viés de concentração e a sobrevalorização de determinados segmentos. O setor de tecnologia negocia a 23,4 vezes o lucro projetado. O de consumo discricionário, a 22,3 vezes. E o setor imobiliário, especialmente pressionado por juros elevados, opera com um múltiplo de 36,4 vezes, o mais alto entre todos. A explicação, mais do que fundamentos, está na inércia de fluxo e no excesso de liquidez que ainda reverbera nos mercados de ativos de risco.

Empresas como Nvidia, Microsoft, Meta e Alphabet seguem liderando as estimativas de crescimento e rentabilidade. A Nvidia, por exemplo, apresenta margem líquida de 55,8% e crescimento de lucro anualizado de quase 90% nos últimos três anos. No entanto, a dependência de um único vetor — a inteligência artificial — e o valuation elevado aumentam o risco de frustração caso a execução futura não mantenha o ritmo atual.

Por trás do entusiasmo do mercado, o índice de surpresas econômicas aponta na direção oposta. Os dados divulgados nas últimas semanas têm sistematicamente vindo abaixo do esperado. A curva de juros, por sua vez, voltou a se inclinar, e o índice do dólar (DXY) recuou após o pico de janeiro, em resposta à piora da percepção sobre os fundamentos da economia norte-americana.

A engrenagem ainda gira, mas os sinais de desalinhamento se acumulam. Se a política monetária não conseguir domar a inflação, se o consumo desacelerar mais rápido do que o esperado e se os lucros corporativos não vierem na magnitude precificada, o mercado pode estar se preparando para um choque de realidade. E, nesse cenário, não faltará volatilidade para corrigir o excesso de otimismo construído nos últimos meses.

Enquanto isso, o investidor atento se pergunta: por quanto tempo mais os preços dos ativos conseguirão ignorar os fundamentos?

Vitor Polinski

Vitor Polinski

Vitor Gabriel Polinski é Sócio e COO da Libertom LLC, além disso é redator da Libertom News, trazendo análises aprofundadas sobre liberdade financeira, tecnologia e mercados digitais. Com experiência em marketing estratégico e gestão empresarial, seu foco é traduzir temas complexos em insights acessíveis, conectando inovação e conhecimento para a nova economia.