O agravamento das tensões comerciais entre China e Estados Unidos começa a redesenhar o panorama para as economias emergentes — e o Brasil não está imune. Segundo analistas ouvidos pelo mercado, a deterioração do comércio global, somada à dinâmica interna de inflação e risco fiscal, pode levar o Banco Central a adotar uma postura ainda mais conservadora, com a Selic encerrando o atual ciclo de alta em torno de 14,75% ao ano.
A previsão reflete a combinação de fatores externos e domésticos que, em conjunto, tornam o ambiente econômico mais desafiador do que se antecipava no início do ano.
Efeito dominó: comércio global em risco
As recentes declarações e medidas protecionistas adotadas por Washington, especialmente em relação à China, acirraram as tensões comerciais e elevaram a aversão ao risco nos mercados globais. Uma guerra tarifária de larga escala poderia desacelerar ainda mais o crescimento da economia chinesa, principal parceiro comercial do Brasil.
Menor demanda por commodities — como minério de ferro, soja e petróleo — teria efeitos diretos sobre o saldo comercial brasileiro, pressionando o câmbio, a inflação e, consequentemente, a política monetária.
Pressão inflacionária e deterioração fiscal agravam o quadro interno
Internamente, a resiliência da inflação de serviços, aliada às incertezas sobre a capacidade do governo de cumprir suas metas fiscais, eleva os prêmios exigidos pelo mercado para financiar a dívida pública. Isso gera uma pressão adicional sobre o Banco Central para manter juros elevados por mais tempo, em busca de preservar a estabilidade econômica.
De acordo com analistas, as projeções de inflação seguem acima da meta para 2025 e 2026, o que reduz o espaço para cortes de juros mesmo em caso de desaceleração da atividade econômica.
Selic a 14,75%: cenário de risco se materializando
Em meio a esse contexto, cresce o número de casas que revisam suas projeções para a Selic, apontando para a possibilidade de o ciclo de aperto monetário ser mais longo e mais intenso do que o inicialmente previsto. A estimativa de encerramento da taxa básica em 14,75% reflete um cenário de deterioração fiscal combinada a um choque externo negativo — uma combinação que exige respostas duras da política monetária.
Perspectivas: resiliência testada
O Brasil enfrenta um teste duplo de resiliência: no front externo, precisa lidar com a desaceleração de seus principais parceiros comerciais; no interno, necessita reconquistar a confiança dos agentes econômicos na condução fiscal e monetária.
Em um mundo mais fragmentado e protecionista, a capacidade do país de navegar essas águas turbulentas dependerá cada vez mais de sua disciplina interna e de sua habilidade em se adaptar a novas realidades de comércio e financiamento internacional.