O tom crítico adotado por Donald Trump em relação ao presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy colocou a Ucrânia em uma posição delicada enquanto enfrenta o quarto ano de invasão russa. Sem o apoio contínuo dos Estados Unidos — até agora o principal aliado militar e financeiro de Kiev — as opções da Ucrânia se tornam limitadas. Ela pode tentar resistir às forças russas com o auxílio da Europa, que, embora solidária, não possui os recursos necessários para substituir integralmente o suporte norte-americano. Ou então, pode ceder às pressões de Trump e aceitar um acordo negociado com Moscou, possivelmente inclinado a favor da Rússia.
Nos últimos meses, Zelenskiy tentou equilibrar sua relação com Trump, buscando manter abertas as linhas de comunicação com Washington enquanto defendia os interesses nacionais da Ucrânia. No entanto, esse equilíbrio ficou ainda mais difícil após uma ligação entre Trump e Putin, na qual o líder americano informou Zelenskiy sobre o diálogo apenas posteriormente. A situação se agravou quando Trump lançou ataques públicos contra o presidente ucraniano, chamando-o de "ditador" e exigindo que ele buscasse rapidamente um acordo com a Rússia, sob pena de perder seu país.
Os comentários de Trump, que ecoaram narrativas promovidas pelo Kremlin, foram interpretados como uma rejeição dramática aos anos de apoio dos EUA à Ucrânia. Embora possam ser parte de uma estratégia de negociação agressiva, suas declarações geraram reações mistas. Enquanto alguns apoiadores de Zelenskiy no Congresso norte-americano acusaram Trump de traição, aliados europeus expressaram solidariedade ao líder ucraniano. Contudo, poucas medidas concretas surgiram para desacelerar o ímpeto de Trump em buscar um acordo rápido.
“Uma capitulação forçada da Ucrânia significaria uma capitulação de toda a comunidade ocidental, com todas as consequências disso”, escreveu o primeiro-ministro polonês Donald Tusk em uma rede social. Sua mensagem reflete a preocupação generalizada de que uma solução imposta à Ucrânia poderia enfraquecer a posição do Ocidente frente à Rússia.
Autoridades dos EUA defenderam a abordagem de Trump. O conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz, afirmou que o presidente está conduzindo as negociações rapidamente e destacou a necessidade de dialogar com ambas as partes envolvidas no conflito. Essa estratégia foi evidenciada quando Trump enviou uma delegação à Arábia Saudita para conversas com representantes russos, excluindo tanto a Ucrânia quanto seus aliados europeus. Apesar das críticas, Trump ainda não tomou medidas públicas para cortar completamente o apoio restante à Ucrânia.
Analistas ponderam que a postura de Trump pode ter diferentes motivações. Christopher Chivvis, membro sênior do Carnegie Endowment for International Peace, observou que Trump pode estar considerando abandonar a Ucrânia ou utilizando táticas de pressão para forçar Kiev a aceitar termos difíceis em um possível acordo com Moscou. Independentemente da intenção, o exército ucraniano, embora robusto e bem equipado, depende crucialmente do suporte norte-americano para inteligência, armamentos e financiamento. Sem isso, a capacidade de resistência da Ucrânia seria severamente comprometida.
“Sejamos honestos: sem os EUA, será muito difícil para nós”, declarou o general Kyrylo Budanov, chefe da agência de inteligência militar da Ucrânia. Boris Johnson, ex-primeiro-ministro britânico, sugeriu que os ataques de Trump podem ser uma tentativa de pressionar os europeus a intensificar seu apoio a Kiev.
Além disso, surgiram especulações de que Trump estaria vinculando o apoio à Ucrânia ao acesso aos vastos depósitos de minerais estratégicos do país. Na semana passada, o Secretário do Tesouro Scott Bessent apresentou um rascunho de acordo que previa a transferência de uma parte significativa dos recursos minerais ucranianos em troca de apoio econômico. Zelenskiy rejeitou a proposta, classificando-a como "uma conversa nada séria". Trump, por sua vez, afirmou que o governo ucraniano “quebrou” o acordo, embora este nunca tenha sido formalizado.
Apesar das tensões crescentes, Zelenskiy manteve um tom otimista antes de um encontro com o Representante Especial dos EUA, Keith Kellogg, em Kiev. Ele expressou esperança de manter relações "construtivas" com Washington, mesmo diante das críticas de Trump.
As autoridades russas saudaram a mudança de postura de Trump. O Ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov elogiou o reconhecimento de Trump de que a aspiração da Ucrânia à filiação na OTAN foi um fator central no conflito. “Nenhum líder ocidental jamais disse isso antes”, afirmou Lavrov, vendo na posição de Trump um sinal de compreensão da perspectiva russa.
Enquanto isso, o relacionamento entre Trump e Zelenskiy continua sendo marcado por tensões históricas. O primeiro impeachment de Trump teve origem em um telefonema de 2019, no qual ele pediu ao então recém-eleito Zelenskiy que investigasse Joe Biden e seu filho Hunter. Agora, em meio a novas disputas, o futuro do apoio dos EUA à Ucrânia permanece incerto, com implicações profundas para o conflito e para a ordem global.